"Porque juventude são outros Papos!"

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Valesca Popozuda: sua buceta também pode ser nossa!

* Por Alana Moraes

Tem agora esse debate sobre a presença das mulheres no Funk (acho que mais no Rio do que em São Paulo). Dizem que elas produzem um tipo de musica e movimento que tem a ver com a interpretação das mulheres faveladas e das periferias sobre o debate da autonomia do corpo. “A porra da buceta é minha” ou “ My pussy é o poder” são os trechos preferidos d@s novos analistas, ativistas e estudios@s do funk feminista. Esse movimento, que pretende não só analisar as letras e postura estética do funk carioca, também tem uma posição politica que se resume mais ou menos em dizer: “olha, feministas brancas-conservadoras-elitistas, a Valesca Popuzuda merece a carteirinha de feminista e vocês ficam aí jogando contra”.

É um debate interessante. Primeiro porque, mais uma vez, a representação da fala das “classes populares” é motivo de disputa e apropriação. Dizem que Valesca canta a emancipação feminina, autonomia, o feminismo popular e eu me pergunto primeiro se Valesca realmente se preocupa em ser ou cantar alguma dessas coisas que dizem que ela canta ou é. Eu apostaria que não. E apostaria que, se Valesca fosse uma cantora das classes médias e intelectualizadas, dariam muito mais espaço para sua fala do que realmente dão aquel@s que querem produzir e arquitetar em Valesca um projeto político. “Pode a Valesca falar?”, perguntaria a feminista indiana Spivak.

Mas o lado que aposta que sim, que Valesca é mesmo essa messias da mulher feminista da periferia,  manobra uma argumentação interessante para defender como ela representa – é impressionante como o imperativo da representação precisa ser ainda tão presente – a voz do “novo feminismo”. Defendem que Valesca vai no coração do machismo, quando diz que a “porra da buceta” é dela. Que Valesca é tudo aquilo que as mulheres feministas reprimidas não conseguem ser e que, por isso, o feminismo não consegue reconhecer a linguagem subversiva do projeto de emancipação da funkeira suburbana carioca.

Eu não quero nada nessa reflexão além de levar a Valesca a sério. Isso quer dizer: compreender o que Valesca quer dizer a partir do que ela diz. Parece ser uma tarefa difícil para uma esquerda que cultiva a prática de dizer “aquilo que os pobres querem dizer, mas não sabem muito bem como dizer”. No entanto, eles sabem e têm a certeza de que os pobres e a cultura popular sempre dizem e sabem a verdade sobre a emancipação humana. Não é fácil, minha gente, mas se quiserem encontrar a verdade é melhor nem sair de casa.

Quando @s nov@s estudiosos e ativistas da “cultura popular” afirmam que Valesca (e a Gaiola das Popuzudas) é feminista porque diz que “my pussy é o poder”, ignoram todo o resto da música e da história. Não sei se fazem isso pelo conforto de sustentar um argumento, porque não estão com muita vontade de dar atenção para o que ela diz, ou simplesmente porque lidar com a contradição é mesmo uma tarefa trabalhosa pra quem quer mudar o mundo. A Valesca exige mais de nós do que esse obreirismo paternalista crente de que existe uma “cultura popular” para ser reconhecida e interpretada – como se a periferia não soubesse muito bem como se representar politicamente.

Então a moça diz (além de que buceta é dela, é claro) que “mulher burra fica pobre, mas se for inteligente pode até enriquecer”, porque “por ela o homem gasta: dá carro, apartamento, jóias, roupas e mansão. Coloca silicone e faz lipoaspiração. Implante no cabelo com rostinho de atriz. Aumenta a sua bunda pra você ficar feliz. (…) Minha pussy é o poder”. Não vou “interpretar” a letra de Valesca porque defendo que devemos justamente contornar esse problema da “interpretação” das vozes subalternas.

Quero chamar atenção para o que Valesca diz justamente a partir do que ela diz. Quero dizer que Valesca tem uma fala e que não pode ser desrespeitosamente ignorada ou traduzida por mediad@res da “cultura popular”. A buceta é dela e ela faz o que ela quer. E na música ela diz que mulher inteligente é aquela que usa o poder da buceta para convencer o homem a oferecer um monte de coisas materiais além de silicone e lipoaspiração. Beijo no ombro e durmam com essa, amig@s, mas isso é justamente o que ela quer dizer. Em sua mais nova música “Beijinho no Ombro”, Valesca abandona um pouco a pauta da buceta autônoma e se filia mais claramente ao Funk ostentação (“Do camarote quase não dá pra te ver”), além de combater “as invejosas” e “recalcadas”. Mas o debate sobre o Funk ostentação já é outro papo.

Não quero aqui classificar Valesca no termômetro do feminismo, até porque nunca nenhuma feminista que eu tenha conhecido defendeu o uso desse termômetro em nenhum momento da história. No entanto a relação entre “feminismo” e “Valesca” parece não querer entender nem o que é o feminismo nem o que é a Valesca. Existe um mal entendido contemporâneo sobre o feminismo (talvez por conta da hegemonia liberal que ainda nos atinge) que procura fazer do feminismo uma luta pela “autonomia” do corpo da mulher.

Ainda que seja verdade, o feminismo é também uma luta por autonomia, nunca em nenhum momento da história a autonomia foi uma pauta vazia no feminismo. Isso quer dizer que a luta por autonomia sempre teve um sentido próprio para o feminismo: autonomia do corpo para viver a sexualidade livremente, autonomia do corpo pra escolher sobre ter filhos ou não, autonomia do corpo para poder viver livre dos padrões de feminilidade imposto pela sociedade, autonomia para viver uma vida sem violência.

Não quero aqui classificar Valesca no termômetro do feminismo, até porque nunca nenhuma feminista que eu tenha conhecido defendeu o uso desse termômetro em nenhum momento da história. No entanto a relação entre “feminismo” e “Valesca” parece não querer entender nem o que é o feminismo nem o que é a Valesca. Existe um mal entendido contemporâneo sobre o feminismo (talvez por conta da hegemonia liberal que ainda nos atinge) que procura fazer do feminismo uma luta pela “autonomia” do corpo da mulher.


Ainda que seja verdade, o feminismo é também uma luta por autonomia, nunca em nenhum momento da história a autonomia foi uma pauta vazia no feminismo. Isso quer dizer que a luta por autonomia sempre teve um sentido próprio para o feminismo: autonomia do corpo para viver a sexualidade livremente, autonomia do corpo pra escolher sobre ter filhos ou não, autonomia do corpo para poder viver livre dos padrões de feminilidade imposto pela sociedade, autonomia para viver uma vida sem violência.

* Alana Moraes é militante da Marcha Mundial de Mulheres do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A juventude negra e de periferia quer viver

Por Ângela Guimarães* 


A luta em defesa da vida da juventude negra – e uma vida em condições de dignidade – remete há pelo menos quatro décadas. Se quisermos ser mais amplos e abrangentes podemos afirmar que a história das e dos africanos e seus descendentes no Brasil se caracterizou por buscar preservar sua vida e ter o reconhecimento de sua humanidade, memória, cultura e história.  Assim foi nas revoltas anti-escravistas, nas experiências dos quilombos, no exercício da religiosidade, nas escolas de samba, nos blocos afro.

Há quase meio século, entretanto, e de forma sistemática, o conhecido movimento negro contemporâneo tem apresentado à sociedade, à imprensa, aos poderes públicos, uma demanda que poderia soar redundante se não fosse completamente emergencial: a garantia do direito à vida, o mais elementar entre todos os direitos fundamentais.

Não são recentes os números que apresentam a elevação sistemática – ano após ano, década após década, em diferenciados momentos políticos do país – do contingente de jovens, sobretudo JOVENS NEGROS, vitimados por homicídio no Brasil. Números tão pujantes e em geral decorrentes da ação nefasta do aparato repressivo estatal que permitiu que se falasse que vivemos no Brasil uma espécie de extermínio programado da juventude negra, uma situação de verdadeiro genocídio direcionado a uma parcela da população historicamente vitimada pela perversa combinação do capitalismo com o racismo.

Chama atenção às e aos ativistas e militantes que há muito tempo vêm denunciando este aberrante fato, que ele não tem despertado as atenções necessárias em toda a sociedade. Parte disto pode ser explicada pela resistência do país em conceber e enxergar os deletérios efeitos do racismo nada cordial brasileiro na vida de milhões de negras e negros, e por outro lado, pela construção de uma máquina de propaganda tão, mais tão poderosa que acaba por conferir legitimidade social a uma política de segurança pública neta do colonialismo escravista, filha da Ditadura Militar, sobrevivente na atual democracia que produz a tragédia social materializada nos perversos números de 50 mil mortos/ano no país, dos quais quase 30 mil jovens e destes cerca de 72% negros.

Sim, é disso que estamos falando e é este número, superior a todos os países em confronto armado no mundo, que – PIONEIRAMENTE – após insistentes denúncias, reivindicações, pressões e diálogo como os movimentos sociais negros e de juventude, em debates, conferências e conselhos, o Governo Federal decidiu reconhecer a existência do problema e tomar medidas para enfrentá-lo.

Assim, em 2012 foi lançado no estado de Alagoas (que ostenta a marca de 79 homicídios a cada 100 mil habitantes, número ainda maior que a média nacional de 63/100 mil habitantes) o Plano Juventude Viva (www.juventude.gov.br/juventudeviva) visando prevenir e reduzir a vulnerabilidade da juventude negra à violência, principalmente nos 142 municípios com os maiores índices de mortes juvenis. O plano, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude da Presidência e pela Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), articula um conjunto expressivo de ações que reúne 11 ministérios dispostos a ofertar políticas públicas de qualidade à juventude nos territórios visando reverter trajetórias de exclusão e criar percursos de inclusão social, autonomia e emancipação para esta juventude. Vale ressaltar que esta construção contou – e só assim se tornou possível – com o papel ativo e protagonista da própria juventude negra reunidas nos movimentos sociais e representadas em importantes espaços colegiados como os conselhos de direitos (juventude, igualdade racial, direitos humanos, segurança pública, dentre outros).

Hoje estamos fazendo o lançamento oficial do Plano Juventude Viva na maior cidade do país, a pujante e outrora reconhecida locomotiva do país, por outro lado é também a cidade com grande concentração de demandas da juventude negra e de periferia, São Paulo. São deveras conhecidos os dilemas de implementação de qualquer política pública numa megalópole, porém o mais desafiador ainda nesta parceria entre Governo Federal e Prefeitura, movimentos sociais e conselhos, artistas e intelectuais aliados, é pavimentar o caminho para a construção de um novo tempo para a juventude negra. Este novo tempo em que nosso direito primordial à vida e à vida em condições de dignidade, equidade e segurança não seja apenas uma utopia, antes seja apoiada em um conjunto consistente de políticas públicas voltadas à educação de qualidade em todos os níveis, qualificação profissional e inclusão produtiva, acesso a equipamentos de esporte, cultura e lazer nas cidades, participação nas tomadas de decisão atinentes às cidades e ao país, enfim a inscrição definitiva de um lugar de prioridade à juventude negra no projeto de desenvolvimento local e nacional, que esta utopia se torne uma realidade.

Em São Paulo e em todo o Brasil, queremos a JUVENTUDE NEGRA VIVA!!


*Secretária-Adjunta Nacional de Juventude e
Vice-Presidenta do Conjuve